sexta-feira, junho 30, 2006

Entrevista com Koichi Kashiwaya sensei

Koichi Kashiwaya Sensei iniciou o treinamento de Aikido em 1969 na Universidade Risshou, em Tóquio, no Japão..Começou a treinar com Koichi Tohei em 1970 e a lecionar nos Estados Unidos, em 1971, na Seattle Ki Society, onde ficou por quatro anos, retornando em 1977 para fundar a Rocky Mountain Ki Socieyt, em Boulder, Colorado. Foi indicado como Instrutor Chefe da Ki Society dos Estados Unidos por Tohei Sensei em 1983. Ele possui agora o 8º. Dan em Shin Shin Toitsu Aikido, o Okuden em Treinamento Ki, um cargo de professor na Ki Society International, e é juiz da International Taigi Competition .


(trad. Noemi Osna)

AW: Em que circunstâncias o senhor começou o Aikido?

KK: Eu estava no colégio e havia treinado como atleta, principalmente nas modalidades de corrida, correndo distâncias curtas. Naquele tempo, eu não estava muito interessado em artes marciais. Estava mais interessado em atividades atléticas que me indicassem como usar o corpo de forma mais eficiente para que eu pudesse correr melhor. Na verdade, eu não estudei no colégio. De certa modo, eu apenas passei pelo colégio. (risos)

Permaneci um ano em uma classe intermediária entre o colegial e a universidade. Estava pensando em estudar engenharia elétrica. Eu gostava da idéia e do conceito de engenharia elétrica, mas havia esquecido que você tem que estudar de verdade muita Matemática e Inglês. Eu gostava de Física, porém mais dos aspectos teóricos do que dos cálculos. Não dou muita bola para fórmulas, mas gosto das idéias e dos conceitos da Física desde jovem. Talvez, tenha sido por isso que eu quis ir para a Escola de Engenharia Elétrica.

Como eu estava em uma classe preparatória, naquele ano, eu quase não pude treinar atletismo e por causa disso nunca mais pude correr muito bem. Então, pensei em fazer algo que não prejudicasse meus estudos e me deixasse alguma energia depois do treino. Então, no dia da matrícula, o Kendo Club me encontrou e me fez preencher uma ficha com meu nome e número, tencionando incluir-me no seu grupo. Eu teria que encontrá-los mais tarde no campus com aquela ficha. Mas aconteceu que entrei na sala errada (risos) Vi algumas pessoas usando hakama e entrei naquela sala. Obviamente, algumas pessoas vieram até mim perguntando o que eu desejava. A essas alturas, eu já sabia que aquelas pessoas não eram do Kendo, e sim do Aikido. Como eu já havia entrado, não quis ser grosseiro e fiquei para assistir.

Até aquele momento, eu ainda não desejava participar da arte do Aikido, mas senti que a atmosfera do treinamento era muito agradável. E gostei daquilo. Não posso dizer que era algo amistoso. O treinamento de artes marciais no Colégio nunca é amistoso no Japão. Porém, percebi que aquelas pessoas estavam dando, umas às outras, um pouco de espaço. As pessoas do Kendo nunca me deram muito espaço. "Você devem fazer isso", "Você tem que ir ali". Acho que a maior parte das artes marciais é conduzida assim, em estilo militar.

As pessoas da nossa universidade eram diferentes. Eu não sei se elas estavam seguras do que faziam ou se eram mais confiantes.Disse a elas que eu devia ir ao grupo de Kendo. Responderam que eu poderia ir, mas se quisesse, seria bem-vindo para ficar e assistir. Gostei daquilo, pois deu-me imediatamente um pouquinho de liberdade. Disse que gostaria de ficar. É claro que não sabia o que eles estavam fazendo. Nem mesmo lembro do que eles estavam fazendo, algum tipo de "pin". Mas gostei da sensação de liberdade. Eu tomava decisões assim algumas vezes, quando me pareciam acertadas. Mas estava preocupado com as pessoas do Kendo, também. Eu lhes disse que iria encontrá-las em seguida. Conversei e esclareci que já tinha pensado em participar do grupo de Kendo. Eles me disseram para não ficar preocupado que conversariam com o pessoal do kendô e tudo ficaria certo. E o pessoal do Kendo me disse que como eu estava praticando artes marciais não haveria problema.

AW. Então o senhor praticou Aikido durante o periodo colegial. Como foi isso?

KK. Sim, eu prossegui no Aikido durante o tempo do colégio. Bem, aquilo parecia muito mais com um cego guiando outro. Nosso grupo, na verdade,não sabia muito de Aikido, mas, com sorte, um instrutor de um dojo de Aikikai hombu aparecia uma vez por semana, e nos ensinava. Mas não tinhamos um "dojo" de verdade. A gente saia da Universidade e caminhava cerca de 30 minutos até esse outro dojo de Aikikai. Nosso grupo estava matriculado no Aikikai, então a gente treinava por conta todos os dias, mas o instrutor de aikikai só vinha uma vez por semana.

O que aprendÍamos com ele não era suficiente e era difícil entender o que ele nos ensinava. Então, tínhamos que tirar as próprias conclusões sobre como e o quê deveríamos treinar. Naquele tempo, eu era principiante e qualquer coisa que o sempai nos pedisse para fazer a gente fazia. Na verdade, a gente estava lutando boxe.. Não sabíamos que Aikido não tinha luta. Às vezes, colocávamos luvas de boxe e realmente tentávamos socar para ver se poderíamos atingir uns aos outros. Foi assim que quebrei meu nariz...

AW: O treinamento era intenso?

KK. Eu não achava o treinamento físico, em si , tão intenso porque eu era o mais atleta de todos. No entanto, o seiza era difícil, pois eu não fazia seiza no atletismo. Todo o resto eu conseguia levar. O primeiro ano de treinamento de Aikido nas universidades japonesas é basicamente de uke. Nós nunca tentamos derrubar ninguém, Eu poderia cair e levantar muitas, muitas vezes sem cansar e meus sempai gostavam daquilo! Eles me davam muita atenção, mas essa atenção também me rendeu um nariz quebrado e dois deslocamentos de ombros...Quanto mais eles gostavam de me usar, tanto mais eu apanhava! Algumas vezes, eles até faziam shinai para ver se eu conseguia desviar. Mas eles eram meus sempai e eu não podia fazer nada a respeito, é claro.

Mais tarde, descobri que aquilo não era Aikido de verdade, mas no início eu não sabia de nada. Depois da aula a gente saia – praticamente depois de todas as aulas – e os sempai nos proporcionavam kohai de forma muito gentil. Eu gostava daquele ambiente. Quem sabe, o Aikido estivesse ajudando aqueles sempai a ser daquele jeito fora do dojo... Embora a gente não estivesse entendendo o lado da técnica muito bem, talvez estivéssemos, por outro lado, aprendendo o aspecto filosófico do Aikido.

Todos nós guardamos alguma coisa em nosso espírito do treinamento que fizemos. Acho que aquilo, para mim, foi uma boa introdução ao Aikido. Provavelmente, se na época eu tivesse encontrado os métodos convencionais de aikido, logo teria largado. Teria sido muito insatisfatório. Nosso clube fazia um monte de coisas malucas, como , por exemplo, lutar boxe. Eu não gostava de ser socado, mas a loucura, para mim, era prazerosa. Eu não ficava muito cansado depois e ainda sobrava energia para estudar.

AW. Quando é que o senhor começou a freqüentar o Dojo Aikikai Hombu?

KK: O grupo estava matriculado no Aikikai, e eu tinha o privilègio de mandar um certo número de membros para o dojo hombu toda a semana. Claro, que nossos sempai tinham primazia , mas às vezes um sempai decidia não ir e escolhia um de nós para ir em seu lugar e treinar no dojo hombu.

AW: Lá, o treinamento era diferente?

KK: Era muito mais suave do que o que a gente vinha fazendo. Surpreendentemente, muito mais suave! (risos). Eu pensei: "Oh! Treinar Aikikai é muito bom! Eles são tão gentis. Pois, você não tem que matar o seu oponente"^

Assim mesmo, eu ainda não entendia o que eles faziam. Mas eu, finalmente, consegui entender algumas das instruções de rankings superiores fazendo Aikido. Mas, aquilo ainda me parecia muito distante. Observando aquelas pessoas de ranking mais elevando, ainda me parecia um tanto fraudulento e suave. Mas eu respeitava aquilo.



Íamos ao Aikikai para respirar aquela atmosfera dos treinamentos. Mas, logo que a gente voltou para a universidade, retomamos o estilo rude da luta de keiko. Se me lembro corretamente, fazia um ano que eu estava treinando quando fui ver Tohei Sensei.



AW: O senhor lembra da primeira aula com Tohei Sensei?

KK. Me lembro da primeira aula. A primeira impressão do Tohei Sensei não foi muito marcante. Por um lado, ele possuía um grau superior à maioria dos instrutores de Aikikai, e também sabíamos que era muito conceituado por outros instrutores. Mas, por outro lado, eu sabia que havia algum tipo de conflito político entre eles. Naquele tempo, já aconteciam coisas do tipo: "Você não deve ir a tal e tal aula se estiver treinando na classe dessa pessoa"

Até aquele período, eu treinava com muitos instrutores diferentes no dojo hombu. Tão logo passei a freqüentar as aulas de Tohei Sensei, tudo começou a mudar. Comecei a sentir pressão de parte de alguns instrutores, basicamente que eu não era mais bem-vindo a suas classes. Agora, isso era só por parte de alguns instrutores, não da maioria deles. Mas alguns deles me fizeram passar por maus momentos por estar lá. Embora eu não fosse alguém importante ali, comecei a sentir que já não era mais bem-vindo. Eu não contei a ninguém que estava freqüentando as classes de Tohei Sensei, mas creio que eles andaram monitorando um simples colegial como eu.

AW: Naquele tempo, o senhor gostava das classes de Tohei Sensei?

KK. Naquele tempo, eu gostava das lições de qualquer um. Não apenas de Tohei Sensei. Novamente, todos aqueles instrutores tinham uma existência muito distanciada para mim. Se O-sensei fosse Deus, então Tohei sensei devia ser considerado o Papa ou algo assim que estivesse muito lá em cima. (risos) Obviamente, eu não tinha nenhuma ligação com ele, pois era apenas mais um shodan entre muitos. Na verdade, eu não tinha uma percepção do tipo: "Eu gosto dos seus ensinamentos".

Não funciona assim no Japão, de todo o jeito, especialmente em um dojo hombu. Se você começa a dizer que gosta mais dos ensinamentos de alguém, pode ser banido por outros instrutores. É uma coisa muito política. Se você for esperto, não diz "Gosto disso", ou "Não aprecio aquele instrutor". Por isso , não me posicionei. Mas, aos poucos, comecei a freqüentar a classe de Tohei Sensei. Ele estava iniciando seu "Ki no Kenkyukai". Achei que aquele era, de certo modo, meu momento de decisão .

Meu sensei me chamou para informar que Tohei Sensei estaria iniciando uma classe de Ki fora do dojo hombu. Não entendi porque ele me chamou para dizer aquilo. Mas eu estava tendo aulas com Tohei Sensei e sentia alguma pressão por parte de outros por já fazer parte do grupo de Tohei Sensei. E a classe de Tohei Sensei soava interessante. Eu não estava no Aikido pelo aspecto marcial, mas para poder me mexer melhor. Também não estava muito interessando somente no Aikido, mas em algo um pouco maior. Só aprender como arremessar alguém não me interessava muito. Eu achava que havia uma resposta maior do que aquela.

Na época, eu estava um pouco confuso com questões sociais, e um tanto rebelde. Comecei a me fazer perguntas sobre o porque de estar aqui e para onde ir, para dar um pouco de significado à minha vida. O Aikido, naquele tempo, era só para manter a forma e conviver com as pessoas. Eu não tinha grandes expectativas a respeito , exceto como exercício físico. Porém, quando assisti às aulas de Tohei Sensei, eu agora posso perceber que ele estava ensinando e repassando algo mais para mim. Eu não sabia disso naquele momento.

Tohei Sensei possuia uma maravilhosa turma infantil. Fui convidado por outro instrutor para assistir uma das aulas. As crianças são muito menores e havia apenas alguns adultos assistindo. Ele veio até mim e perguntou se eu estava lá para assistir. "Sim, senhor". Ele disse "Porque você não participa?" Então, eu me alinhei com as crianças em uma posição de pé para fazer alguns testes de ki. Em suas aulas regulares de Aikido, ele não fazia qualquer tipo de teste de ki. Mas aquela era uma aula diferente das aulas normais para adultos, traziam mais pensamentos sobre mente e corpo. Eu estava sem entender! Por que ele está nos empurrando? Então ele chegou até mim e empurrou meu ombro. Eu não entendi o quê aquilo significava, e me movi. Então, Tohei Sensei sorriu e disse: "Se sua mente se move, seu corpo se move". Quando eu ouvi aquelas palavras, aconteceu o estalo. Comecei a pensar que, talvez, o próprio Tohei Sensei ou aquilo que ele estava ensinando pudesse me dar algum tipo de resposta para as grandes questões, não somente sobre o Aikido, mas sobre a vida.

(continua)

quarta-feira, junho 28, 2006

Meditação Ki - O correto sentimento ao sentar-se em Seiza

O Centro do Universo
(Koichi Tohei, in How to unify Ki)

Uma vez entendido que o universo é Um é que no universo absoluto todas as coisas são a mesma, vamos tomar em consideração nossa existência. O universo é um círculo ilimitado com linhas radiais ilimitadas. É uma esfera ilimitada, portanto. Qualquer um pode imaginar que o universo é sem limites acima de si, à sua direita e à sua esquerda, para a frente e para trás. Mas, como é abaixo de si? Nós estamos em pé sobre a terra, mas, além da terra, o universo também não tem limites. Mesmo que nos movamos em alguma direção, o universo não fica mais curto nessa direção a qual nos movemos. Por exemplo, se vamos à direita ou à esquerda, é absurdo dizer que o universo ficou um passo mais curto para a direita ou para a esquerda. Deste modo, estejamos em pé em um lugar ou nos movendo, onde quer que estejamos, podemos pensar que estamos no centro do universo.
Mas, porque estamos pisando a terra, muitas pessoas, inconscientemente, esquecem que o universo é infinito também abaixo delas. Então, porque dependem demais da terra sob elas, seu Ki pára sob seus pés.
Em uma emergência, quando eles pensam que precisam manter a calma e a estabilidade seja em pé ou sentados, tentam pressionar seus corpos contra o chão. Mesmo nas caminhadas do dia-a-dia, eles se vêem caminhando a pressionar o chão sob eles. Este é um grande erro. Fazendo isso em Seiza, não é possível sentar-se calmamente e de modo estável, nem relaxar completamente. O modo correto de sentar-se em Seiza é pensar e sentir que se está situado no centro de uma esfera sem limites e que se estar sentado é como flutuar no ar, sem depender de suporte algum.
Assim como alguém que nunca sentiu a doçura do doce pode entender ou acreditar no que seja o doce sem prova-lo, do mesmo modo é impossível saber o que é a Meditação Ki sem praticá-la, apenas pensando a respeito ou lendo.