quinta-feira, agosto 10, 2006

Keiko

“O Caminho está onde quer que as pessoas se disciplinem através do treinamento. Ele não é encontrado em livros. É através da experiência direta com nossos corpos e não somente com nossos intelectos que conseguiremos atingir esse estágio.
Quando as pessoas começam a aprender alguma coisa elas ficam obcecadas pelo processo e acabam perdendo o sentimento quando não imaginam poder controlá-lo. Achando-se estúpidos, e acreditando que os outros provavelmente pensam do mesmo modo, esquecem-se do que estavam tentando aprender com tanta dificuldade.
O aluno, uma vez no Caminho, deve afastar suas dúvidas sobre si mesmo e ignorar as observações desdenhosas dos outros. Deve dedicar grande atenção ao seu estudo e à prática.”

Shoshitsu Sen, Chado Sensei

Bokken

Os melhores Bokken manufaturados devem apresentar o sori (curvatura da lâmina) perfeito e o peso adequado. A madeira escura ajinko presta-se admiravelmente à confecção dessa arma e deve ser polida com areia, uniformemente. Essa operação requer as vezes um par de meses, assim como o requer a operação seguinte que é o trabalho de untar a madeira com óleo de nogueira kukui. Para se testar o equilíbrio de um Bokken assume-se o chudan no kamae (posição central) e passa-se ao movimento yoko chiburi (jogar lateralmente o sangue).



O PASSADO DO BOKKEN

O Bokken vem da longa história do Japão, mas sua origem exata é difícil de ser traçada. Sem dúvida os primeiros habitantes neolíticos da Terra do Sol Nascente usavam armas de madeira com implementos de pedra. Mais tarde, mesmo com a introdução das técnicas metalúrgicas no território japonês, alguns artefatos de madeira como bastões, lanças e clavas continuaram a ter aplicações prática nas batalhas de então.

Contudo, foi com o desenvolvimento do Kenjitsu-ryu (escola ou estilos de luta à espada) que o Bokken conquistou seu devido lugar. Conquanto alguns dos ryu (escolas ou estilos) mais antigos, como o shizen-ryu, continuavam usando shinken (espadas reais) e seus katas (formas), muitas outras perceberam que um substituto deveria ser encontrado para a prática diária. Usar espadas reais era muito perigoso, dispendioso e mesmo imprevidente.

Narrativas do Jikishinkage ryu relembram antigos dias em que o bujitsu (arte de guerra dos samurais) era praticado como questão de vida e morte. Mestres espadachins iam até as profundezas das montanhas a fim de aperfeiçoarem, longe de olhos estranhos, suas táticas secretas. Usavam galhos ou pedaços de madeira que encontrassem e que apresentassem peso e características de armas reais.

Gradativamente, os vários ryu foram descobrindo que a espada de madeira era uma alternativa mais segura que o shinken para a prática tão somente, e a espada de madeira passou a ser cuidadosamente cortada e moldada até oferecer a semelhança e a sensação de uma espada real. O Bokken foi feito de várias espécies de madeira dura, incluindo o carvalho vermelho e o branco. Conforme os diferentes ryu desenvolveram seus próprios métodos e estilos específicos, surgiram, de maneira natural, algumas variações em desenho e confecção do Bokken.



O BOKKEN GENÉRICO

O que se pode adquirir na maioria das lojas de artes marciais é uma espécie de Bokken "padrão" usado pela maioria dos praticantes de Kendo e Aikido em seus katas. Mas muitas escolas clássicas do Japão atêm-se cuidadosamente a seus próprios estilos de Bokken de maneira que o observador mais atento é capaz de dizer a que ryu pertence um praticante apenas olhando de relance seu Bokken.

0 katori shinto ryu, por exemplo, usa um Bokken de sori reto e corpo grosso com um kissaki (ponta) sem corte. O Jikishinkage ryu kenjitsu usa um Bokken reto duas vezes mais pesado que o Bokken normal. Ao ser usado nos katas - que são repletos de movimentos respiratórios profundos e lentos - desenvolve a força e a coordenação muscular do praticante. O shinto muso ryu do jojitsu (luta de bastão curto) usa um Bokken de tamanho normal, exceto pela ponta cega (sem nenhum corte). Isso devido provavelmente à perigosa prática do ryu no decorrer da qual as extremidades de jo (bastão curto) e do Bokken detêm-se apenas a uma polegada do rosto do praticante. E a escola jikishinkage ryu do Naguinata (lança com lâmina curva) utiliza um Bokken fino e leve, com elegante sori, supostamente reminescente de espadas reais feitas na região de Osafune. Esse estilo do Bokken é apropriado à escola a que pertence que se caracteriza pela elegância e graça de suas formas.

Quando em exercícios solo, o Bokken é usado no lugar da espada real para desenvolver velocidade, timing e movimentação apropriada do praticante. A vantagem da arma de madeira torna-se ainda mais evidente quando o kata é feito no ko-ryu ( velhas escolas clássicas). Usualmente um kata envolve duas pessoas, cada qual golpeando e bloqueando a outra em formas pré-arranjadas. Usar espadas reais, mesmo com força moderada, seria colocar em risco a vida dos praticantes e a durabilidade das armas. Bokken já permite um certa margem de segurança. Mestres podem, então, treinar seus discípulos sem muita preocupação se estão sujeitos a cortarem-se ou não. Além disso, o peso e o formato do Bokken propiciam a sensação que se tem ao se usar uma arma real. Ainda assim, o Bokken não é totalmente seguro. Em seu livor "Bokken: Arte da Espada Japonesa", Dave Lowry assinala o fato de, muitas vezes, o Bokken ter sido a arma escolhida em duelos reais, entre diferentes escolas. Conquanto um Bokken possa fender-se em um golpe desferido com muita força, ele não se parte como uma espada so ser usada de maneira errada.

Shinmen Musashi No Kami Fujiwara No Genshin (ou como é conhecido, simplesmente Myamoto Musashi) foi um dos mais famosos espadachins que usaram Bokken em duelos com mestres de outras escolas. Verdadeiras ou não, lendas contam que Musashi teria vencido 60 duelos, muitos dos quais usando um Bokken contra armas reais como espadas, yari (lanças) e kusarigamas (foices com corrente). A força de seus golpes, com o Bokken, era tanta que conseguia esmagar o osso do braço do adversário. Um dos oponentes que teve o membro estraçalhado pelo Bokken de Musashi foi Yoshioka Seijuro em um duelo em Rendaiji, Kioto. Pouco tempo depois, Musashi tornou a usar um Bokken, feito, com as próprias mãos,de um remo de aproximadamente 2 metros, para matar "Ganryu" - Sasaki Kojiro com um golpe na cabeça, no épico duelo de Ganryujima.

Tais narrativas atestam o poder devastador do Bokken quando em mãos de um expert e afastam a idéia de que seja razoavelmente inofensivo...



CONTROLE GOVERNAMENTAL

As leis do Shogunato da época também afetaram a história do Bokken. Nos idos dias das escolas Kenjitso, representantes dos diferentes ryu testavam suas técnicas em Shinken Shobu (duelos com espadas reais). Isso, naturalmente, levava o perdedor à morte. Na medida emque o governo japonês afastava-se das constantes guerras dos períodos medieval e clássico, éditos foram promulgados proibindo a prática do Shinken Shobu. Espadachins, então, passaram a usar o Bokken em duelos. Todavia, embora não pudesse cortar, o Bokken certamente esmagava ossos com terríveis resultados. Assim, duelos com Bokken foram também proibidos. Isso fez com que essa arma passasse a ser usada apenas em katas. Para a prática de duelos apelou-se ao uso dos shinai (espadas construídas de tiras de bambú atadas e unidas de maneira especial). O shinai permitia uma boa margem de segurança, tendo sido influenciado pela anterior prática de espada fukuro shinai, dos guerreiros shinkage ryu. O fukuro foi criado pelo Mestre Kamiizumi Hidestsuma e desenvolvido por seu aluno Yagyu Sekishusai Muneyoshi e, posteriormente ainda, pelo filho deste último, Yagyu Tajima no Kami Muneyoshi. Esse precursor do shinai era feito de tiras de bambú mantidas juntas num envólucro de couro.

De acordo com o historiador Donn F. Draeger, o primeiro shinai teria sido desenvolvido por Hikida Bungoro, também seguidor do shinkage ryu, espadachim do período Edo (1.600 - 1.815). Mais tarde esse shinai foi aperfeiçoado a ponto de ser criado, para seu uso, um equipamento protetor, o que teria aberto caminho ao Kendo moderno.


Embora seja o instrumento ideal para o esporte do Kendo, o shinai é uma pobre réplica da espada real,em peso, sensação e equilíbrio. Por isso os katas de Kendo são executados co Bokken.



A CONFECÇÃO DO BOKKEN

Fazer um Bokken não é tão difícil. Fazer um bom Bokken é muito difícil. Ao confeccionar um Bokken é preciso sentir que se está colocando uma parte da própria alma na arma Só assim ela poderá ser usada como a extensão do próprio braço.

A madeira escolhida deve ser adequada. O carvalho presta-se bem; é resistente para aguentar os rigores da prática e relativamente fácil de ser trabalhado. No Havaí, costuma-se usar uma madeira nativa muito bonita devido às estrias escuras que possui: o kos

O pedaço de madeira escolhido deve ser uniforme, sem nós, defeitos ou rachaduras Traçado o desenho da arma e após o corte correto, o restante é suor, paciência e tempo. O Bokken deve apresentar um sori (curvatura) equilibrado e um kissaki (ponta) apropriado á finalidade do uso. (Diferentes ryu usam Bokken de diferentes sori e kissaki). O shinogi (lados da espada) e o mune ou mine (parte de trás) devem ser bem definidos. Após o polimento final com areia, a espada deve ser untada com um óleo claro que penetrará na madeira (não deve ficar na superfície). Alguns espadachins preferem não untar seu Bokken e permitir que anos de suor e gordura natural da pele substituam o polimento final com o óleo comente usado. O que deve ser evitado, a qualquer custo, é o polimento lustroso tipo verniz plastificado. Esse acabamento é característico de Bokken vendidos em lojas de artigos inferiores.

Munenori Yagyu - A história de um espadachim

Por Dave Lowery
Tradução de Newton Machado

Era o verão de 1600, o quarto ano da era Keicho, e Hideyoshi Toyotomi, o general plebeu que havia unificado o Japão, havia falecido recentemente. Durante seu reinado, caracterizado por uma visão de longo prazo, sólidas práticas administrativas e grande sagacidade política, tinham finalmente chegado ao fim as contínuas guerras que por várias gerações haviam eclodido entre os daimyos, senhores feudais, levando o Japão a viver seu momento mais próspero e pacífico em muitos séculos.
Parte do sucesso de Hideyoshi deveu-se, sem dúvida, à sua disposição em compartilhar seu poder com o go-tairo, um conselho composto por cinco regentes escolhidos entre os senhores feudais mais ricos e poderosos. Mas com sua morte a paz estava ameaçada, pois o conselho de regentes se dividira em duas facções: aqueles que apoiavam a continuidade da regência dos Toyotomi, através de seu filho Hideyori, e aqueles que defendiam a escolha do conselheiro de maior força política, leyasu Tokugawa, como shogun.

Durante todo o verão os dois lados se enfrentaram numa sutil e intrincada disputa pelo poder. Os daimyos de menor peso político, mas de vital importância estratégica, foram sondados discretamente para descobrir qual lado apoiariam no caso de uma guerra. As preferências eram mantidas em sigilo, enquanto todos aguardavam para ver qual das facções prevaleceria, antes de manifestar suas intenções. Era como se Ieyasu Tokugawa e Mitsunari Ishida, líderes das facções adversárias, estivessem jogando uma grande partida de go, um jogo de tabuleiro oriental que demanda extrema cautela e paciência infinita. Se este cenário parece familiar para você, é porque o confronto entre Tokugawa e Toyotomi foi utilizado, com algumas alterações, pelo autor James Clavell, como pano de fundo para seu livro Shogun.

Ieyasu Tokugawa era definitivamente o lado mais fraco neste confronto. Pela força de sua personalidade e reputação, ele havia conseguido atrair muitos daimyos para seu lado, mas estava consciente de que os senhores feudais eram pessoas conservadoras por natureza, e que sua tendência instintiva seria apoiar o herdeiro legítimo. Assim, Tokugawa dependia de aliados cuja lealdade era questionável. Enquanto isso, seu rival, Mitsunari Ishida, tinha o apoio de uma quantidade maior de daimyos, e o peso da autoridade dos Toyotomis.

Finalmente, em agosto as manobras e planos preparatórios chegaram ao fim. Kagekatsu Uyesugi, membro do Conselho de Regentes e partidário dos Toyotomi, reuniu um exército em sua província natal, deixando claro que seu alvo era Tokugawa, a quem acusava de traição. Ao mesmo tempo, Mitsunari Ishida também entrou em ação, liderando um exército de samurais em um movimento de pinça, com o objetivo de cercar Tokugawa.

Os planos de Ishida foram bem desenhados e executados, de forma que a derrota de Tokugawa seria inevitável, se não fossem dois engenhosos estratagemas aplicados no momento adequado.

Inicialmente, Tokugawa deu a entender que estava preparado para lutar. No início do verão ele havia deixado seu castelo em Osaka e ido para Fushimi. Enviou então seus soldados para sua fortaleza em Edo, onde seu exército reunido aguardava.

Mas ao mesmo tempo, Tokugawa havia guarnecido o castelo de Fushimi, situado entre ele e o inimigo que avançava, com um grupo de samurais experientes, liderados por seu general mais habilidoso, visando barrar o avanço de Ishida e romper o cerco.

O castelo de Fushimi representava apenas uma medida protelatória, e Tokugawa estava ciente de que logo teria que enfrentar Ishida e os demais regentes em uma batalha. Além disso, ele previa que a batalha ocorreria em algum local do distrito de Kinki, uma região ao norte de Nara repleta de altas montanhas, florestas impenetráveis e diversas kazure zato, pequenas vilas e áreas governadas por pelos daimyos mais independentes do Japão. Ocultos na região de Kinki também havia grupos de shinobi-nin, terroristas, espiões e fanáticos religiosos cuja habilidade nas artes marciais era lendária. Tokugawa sabia que, embora fossem poucos e difíceis de convencer, o apoio destes guerreiros pouco ortodoxos seria essencial, caso tivesse que combater em suas terras. Normalmente os daimyos rurais e os clãs de shinobi-nin não se submetiam aos mesmos laços que ligavam os samurais e demais daimyos ao governo feudal. Eles cuidavam de sua própria vida, sem se preocupar muito com a política nacional. Nas batalhas que ocorriam em suas terras, geralmente aliavam-se ao lado com maiores chances de vitória, ou àquele com o qual tivessem laços familiares.

Tokugawa possuía exatamente este tipo de conexão, e isto constituía a segunda arte de sua estratégia. Entre seus oficiais havia um jovem cujo pai era um dos senhores feudais mais influentes da região de Kinki. Tokugawa convocou o jovem oficial e transmitiu suas ordens. Ele deveria correr o mais rápido possível até sua casa nas montanhas de Kinki, e convencer seu pai a mobilizar os daimyos locais para apoiarem Tokugawa no confronto que se aproximava. Com o apoio de suas atividades de guerrilha, ele acreditava poder colocar Ishida em uma posição desfavorável, e assim vencer a batalha decisiva.

O oficial cavalgou por passagens desertas nas montanhas, e através de florestas de pinheiros, ciente da importância crucial de sua missão. No futuro, as realizações do jovem o fariam famoso, fundando um renomado estilo de esgrima, tornando-se instrutor de shoguns e contribuindo para a introdução do Zen nas artes marciais. Mas no verão de 1600, tudo isto ainda estava por vir, e poderia se dizer que o futuro do Japão dependia da jornada deste solitário oficial Tokugawa: Munenori Yagyu.

Tajima no kami Munenori Yagyu nasceu em 1571 no vilarejo batizado com o nome de sua família. De acordo com registros antigos e de duvidosa confiabilidade, o clã Yagyu descendia de Michizane Sugawara, um poeta da era Heian. Quaisquer que fossem suas origens, os Yagyu estavam entre os primeiros habitantes de um vilarejo ao norte de Nara, e que recebeu o nome do clã após terem sido apontados como guardiões do santuário Kasuga, localizado nas proximidades. Aparentemente a proteção do santuário era uma tarefa levada a sério, pois desde o século XIII a família Yagyu vinha dando origem a guerreiros de reputação formidável.

Mais de 200 anos depois, quando o shogunato Ashikaga entrou em colapso e levou o país ao caos, os moradores do vilarejo de Yagyu viram-se no meio de um conflito brutal, que estava sendo travado pelo controle do Japão. Por volta desta época o clã Yagyu iniciou sua ascensão.
Ieyoshi Yagyu, o avô de Munenori, liderou uma tropa de samurais e camponeses da região de Kinki contra uma série de exércitos invasores, defendendo com sucesso seu território. Nessa época a classe guerreira não estava ainda limitada aos samurais, ou bushi, e era comum, como no caso das batalhas travadas na região de Kinki, que soldados profissionais lutassem ao lado de agricultores e artesãos. Embora não dispusessem de armamento de qualidade, estes eram lutadores eficientes.

Nesses combates participava Muneyoshi, filho de Ieyoshi. Era um espadachim especialmente dotado, e que ainda na adolescência havia estudado intensamente o estilo Chujo-ryu de esgrima. Aos 16 anos combatia junto com os samurais de seu pai, e suas habilidades eram famosas, tanto que despertaram a atenção de Nobutsuna Kamizumi, um dos espadachins mais afamados do Japão na época.

Kamizumi estava realizando uma peregrinação de musha shugyo, uma jornada freqüentemente seguida por lutadores para testar suas habilidades contra outros combatentes, e também para aprimorar-se com os ensinamentos dos mestres de diferentes escolas de artes marciais. Sua reputação o precedia a cada passo do caminho.

Ele havia se aperfeiçoado em Kage, o estilo de esgrima também conhecido como Sombra, e que havia aprendido com seu pai ainda criança. Posteriormente Kamizumi aperfeiçoou inda mais este estilo, chamando-o de Shinkage (nova sombra), e foi durante este processo que encontrou-se com Muneyoshi Yagyu.

Era inevitável que Muneyoshi acabasse enfrentando Nobutsuna Kamizumi. Ambos haviam adquirido fama considerável por seu desempenho em batalhas e duelos, levando à especulação sobre qual dos dois era o melhor. Esta pergunta seria respondida em um duelo dramático, marcado para ocorrer em 1562, no templo Hozoin. O combate, contudo, foi decepcionante. O famoso Yagyu foi derrotado facilmente, e por um dos alunos de Kamizumi, que sem esforço, e em uma fração de segundos, empurrou a espada de Yagyu para o lado e atacou com sua espada de treinamento com toda a força, parando o golpe a um fio de cabelo da cabeça de seu adversário!

A derrota humilhante teria sido amarga para Muneyoshi Yagyu, se ele não fosse o homem que era. Em vez de reclamar ou inventar desculpas, reconheceu em Kamizumi um instrutor sem igual, e imediatamente pediu para ser aceito como aluno na escola Shinkage-ryu. Nobutsuna Kamizumi percebeu que o jovem samurai de Yagyu estava acima dos espadachins aventureiros que o desafiavam apenas para buscar a fama, e aceitou Muneyoshi como seu discípulo.

O relacionamento foi proveitoso, e sob a orientação de Kamizumi, Muneyoshi Yagyu aprimorou rapidamente suas habilidades, destacando-se por sua maestria e tornando-se o melhor entre os discípulos de seu mestre. Com o tempo, retornou às terras de sua família, assumindo o comando do clã Yagyu e ensinando sua versão do estilo Nova Sombra, que naturalmente tornou-se conhecida como Yagyu Shinkage-ryu.

Assim, Munenori Yagyu nasceu numa família renomada, e intimamente ligada ao
kenjutsu, a arte da espada. O mais jovem de uma prole de onze, e com quatro irmãos mais velhos, é surpreendente que Munenori tenha recebido alguma atenção de seu pai. Quis o destino que, no mesmo ano em que nasceu, seu pai e Yoshikatsu, seu irmão mais velho, estivessem lutando em uma batalha perto de Nara. Durante a luta Yoshikatsu recebeu um ferimento grave, e a lesão o impediu de tornar a praticar kenjutsu de maneira intensa.

Pela tradição, Yoshikatsu deveria herdar a liderança do clã Yagyu e o título de mestre supremo da escola de esgrima. Mas mesmo continuando a ser um espadachim habilidoso, apesar de seu ferimento, e de já haver sido iniciado nos okuden (princípios secretos) da Shinkage-ryu, seu pai decidiu indicar um dos outros filhos como seu herdeiro na escola. Dois outros jovens Yagyu haviam se tornado monges budistas, em vez de seguir o perigoso caminho do samurai. O quarto filho na linha de sucessão aparentemente não tinha suficiente talento na esgrima, pois Muneyoshi começou a treinar seu caçula nas técnicas da escola, com a intenção de indicá-lo seu sucessor.

De acordo com as histórias contadas nas vizinhanças do vilarejo de Yagyu, Munenori era um aluno dedicado, com um intenso entusiasmo pelo aprendizado da esgrima. Uma história a seu respeito descreve um exercício elaborado por ele para desenvolver o ritmo e movimento de pernas. Utilizando vários pedaços de cipó, amarrou pequenas pedras em uma ponta, atando a outra aos galhos de um grupo de cedros próximo de sua casa. Puxando as pedras suspensas, ele fazia com que os galhos balançassem, e, quando todos os galhos estavam em movimento, Munenori tomava posição no meio deles, com a espada de madeira na mão. Então, deslocava-se rapidamente entre as pedras em movimento, golpeando com a espada e tentando atingir tantas pedras quanto possíveis, sem perder o equilíbrio e o controle.

Outra história da infância de Munenori fala de sua determinação em se capacitar para os rigores da prática do kenjutsu. Aconteceu no inverno, quando o vilarejo de Yagyu estava coberto de neve, e a maioria dos moradores permanecia abrigada em casa, ao redor do kotatsu, um fogareiro que era a única forma de aquecimento nas casas japonesas da época. Munenori, contudo, via a neve como um eficiente recurso de treinamento. Usando apenas uma tanga, ele disparava pelas encostas, brandindo vigorosamente a espada enquanto utilizava a massa de neve para fortalecer as pernas.

Hoje em dia, este tipo de exercício pode parecer estranho, mas na época de Munenori suas atividades eram consideradas normais para o desenvolvimento de um espadachim, que teria que enfrentar desafios tão rigorosos quanto mortais. Além de seus exercícios individuais, Munenori tinha lições diárias no dojo de seu pai, não somente em esgrima, mas também no uso da lança, alabarda e bastão, além de duas especialidades da escola Yagyu-ryu: o método de luta com o pesado leque de metal utilizado pelos samurais, e as técnicas de kumiuchi, forma luta corporal desarmada, a partir da qual o jujutsu evoluiria posteriormente.

O kumiuchi da escola Yagyu-ryu, quase tão respeitado quanto suas técnicas de espada, foram muito úteis em 1594, quando o chefe da família Tokugawa convidou Muneyoshi Yagyu e seu filho Munenori, então com 24 anos, para apresentar-se em sua mansão em Kyoto. Ieyasu Tokugawa, sempre um hábil estrategista, já antevia o momento em que a ausência de Hideyoshi Toyotomi deixaria vaga a regência do Japão. De fato, é possível que sua real intenção, ao convidar os espadachins Yagyu e buscar seu apoio, fosse a possibilidade de que estes se tornassem, no futuro, um recurso valioso na disputa pelo poder no Japão. Seja como for, isto teve ter tido pouca importância para Tokugawa naquele dia, pois ao final da apresentação ele se encontraria com a espada desembainhada, face a face com o lendário Muneyoshi Yagyu.

O encontro ocorreu como resultado de uma pergunta feita por Tokugawa ao chefe do clã Yagyu. No tatami em frente ao tablado onde se sentavam Ieyasu Tokugawa e seus principais auxiliares, Muneyoshi e Munenori haviam apresentado alguns dos katas da escola Yagyu. A platéia era composta por soldados experientes, que praticavam o kenjutsu, e que não se impressionavam facilmente. Mesmo assim, acompanhavam atentamente a apresentação, assistindo com prazer e concentração à medida que pai e filho enfrentavam-se, espadas faiscando, girando, atacando e esquivando-se com perfeita sincronia e controle. Os oficiais do clã Tokugawa admiravam silenciosamente. Contudo, seu líder, com sua profunda percepção, viu que estava presenciando mais do que uma excelente apresentação de esgrima. Notou que o Yagyu mais velho era capaz de prever, como que por magia, a direção e a intensidade dos golpes de seu filho, bloqueando-os mal haviam começado. Fez então uma pergunta a Muneyoshi, esperando esclarecer suas suspeita.

"Yagyu-san, você havia dito que seu estilo de esgrima depende de uma sincronização perfeita dos movimentos do corpo, atacando para bloquear a espada do adversário. Mas como um Yagyu desarmado se sairia contra um oponente armado?"

Muneyoshi admirava profundamente Ieyasu Tokugawa, e o considerava seu superior. Mas era também um homem esperto, de inteligência rápida como seu anfitrião, e percebeu que esta era a oportunidade para que a Yagyu Shinkage-ryu se diferenciasse das muitas escolas então existentes. Assim, ajoelhou-se e curvou-se até tocar a testa no tatami.

"Se vossa alteza tiver a gentileza de me atacar, ficarei honrado em demonstrar", respondeu Yagyu.

A resposta ousada deu resultado. Ieyasu Tokugawa levantou-se, desceu do tablado e selecionou um bokken em um suporte de armas próximo a ele. Trajando um hakama de seda e um kamishimo (um colete com ombros em forma de asa) sobre seu kimono, assumiu uma postura de combate diante do mestre Yagyu, que trajado de maneira simples, e mesmo com toda a sua habilidade, era apenas um senhor feudal de menor importância.

De todos os espectadores, somente o jovem Munenori estava certo do desfecho, tantas vezes havia presenciado seu pai em ação. Diante do olhar calmo de seu adversário, Tokugawa avançou em direção a Muneyoshi Yagyu, um samurai destemido e musculoso contra um homem 20 anos mais velho, que aguardava calmamente, com as mãos estendidas à altura do quadril.

Tokugawa atacou velozmente, seu corpo descendo junto com o golpe que tinha certeza de haver acertado. Mas Muneyoshi Yagyu não estava sob a lâmina de madeira. Ele havia girado o corpo de forma mínima, revertendo o movimento e arremessando Tokugawa para trás, enquanto a espada de treinamento voava na direção oposta. Os oficiais de Tokugawa ficaram paralisados, sem acreditar no que viam. Munenori, do outro lado do tatami, também estava atônito. Entre ele e o tablado, Tokugawa estava estendido no tatami, fitando o homem que tranqüilamente permanecia em pé acima dele. Então acenou solenemente com a cabeça.

"Suki desu!" ("Gostei!")

Ali mesmo Tokugawa convidou Muneyoshi Yagyu para ser seu instrutor de esgrima. Para um espadachim este era o melhor emprego possível, assegurando a ascensão ao cargo de hatamoto (oficial principal), um salário magnífico e considerável influência nos círculos políticos e sociais. Muneyoshi ficou honrado, mas declinou do convite, sugerindo que seu filho seria adequado para o cargo. Uma vez mais Tokugawa ficou impressionado com a sabedoria do chefe da Yagyu-ryu. Ao indicar seu filho para o cargo, ele havia assegurado o futuro de Munenori nos dias turbulentos que pressentia. O sexagenário Muneyoshi estava perto de se aposentar, mas ao colocar seu filho numa posição tão próxima do clã Tokugawa, estava certo de que o destino do clã Yagyu seria assegurado.

Munenori Yagyu recebeu assim o encargo de treinar leyasu Tokugawa e sua família em esgrima. Em troca, Tokugawa, agradecido, presenteou Muneyoshi com um contrato no qual se comprometia a seguir as normas da escola Yagyu Shinkage-ryu, e a proteger os integrantes do clã Yagyu.

E assim, a partir de tal passado, Munenori Yagyu tornou-se instrutor e oficial de confiança de Ieyasu Tokugawa; e assim, no verão de 1600, lá estava ele galopando pela estrada Tokkaido em direção ao vilarejo de Yagyu, para uma conversa com seu pai que poderia auxiliar seu senhor a vencer a batalha pelo título de Shogun.

Ao contrário do ditado chinês que diz que "na terceira geração vem a destruição", Munenori tinha uma personalidade tão forte quanto a de seu pai e seu avô. Ele e Muneyoshi convenceram os senhores feudais da região de Kinki a se aliarem a Tokugawa. Em encontros secretos com grupos de ninjas e especialistas em guerrilha que habitavam a região próxima ao vilarejo de Yagyu, foram feitos acordos com aqueles lutadores, alguns dos quais partiram para auxiliar os samurais de Tokugawa que defendiam o castelo de Fushimi, barrando o avanço de Mitsunari Ishida.
Apesar de não existirem registros destes acordos, eles foram uma contribuição valiosa para que Tokugawa conquistasse o shogunato. Não existem indícios de que Munenori tenha contatado seu irmão mais velho, embora seja provável que isto tenha acontecido; tal encontro também contribuiu para o sucesso de Tokugawa, como indicam acontecimentos posteriores. Munetoshi, o filho que o patriarca Yagyu havia considerado incapaz de chefiar o ryu, havia se tornado um alto conselheiro de Hideaki Kobayakawa, aliado de Mitsunari Ishida.

Com todos os atores reunidos no palco, os acontecimentos se sucederam rapidamente, embora não de acordo com os planos de Ishida e outros partidários de Toyotomi. O movimento de pinça que visava capturar Tokugawa foi desperdiçado quando o castelo de Fushimi resistiu ao cerco. Reforçado pelos ninjas de Kinki, os samurais de Tokugawa retiveram Ishida por muitos dias. Quando ele finalmente tomou o castelo e iniciou uma marcha forçada para completar sua parte no movimento de pinça, já era tarde demais: Kagekatsu Uyesugi, responsável pela outra parte do movimento, havia perdido a confiança e reteve suas tropas, aguardando para ver o que aconteceria. Com o fracasso de sua estratégia, Ishida movimentou seu exército para a entrada de um vale em forma de U, chamado Sekigahara, onde se reuniu com seus aliados. Embora suas forças combinadas, com um total de 90.000 soldados, estivessem agora em inferioridade diante dos 100.000 samurais de Tokugawa, sua manobra era engenhosa: quando Tokugawa atacasse, seria cercado e empurrado para o vale, onde seria massacrado pelas tropas de Ishida atacando por ambos os lados.

Começou a chover na noite de 14. Em meio a trovoadas, caiu uma chuva forte e contínua. Em suas tendas os samurais checavam suas armaduras, preocupados com a lama que tornaria a luta ainda mais cansativa. Soldados de infantaria, sem nenhuma proteção contra a chuva além de suas lanças, encolhiam-se imaginando o que poderia ser pior: lutar na batalha ou tremer de frio. Pela manhã a chuva havia se transformado numa garoa, invisível no meio do nevoeiro matinal. Ao som dos rangidos de suas armaduras ensopadas, as tropas de Tokugawa marcharam em direção a Sekigahara.

A batalha começou quando os samurais de Ishida e Tokugawa tropeçaram uns nos outros em meio ao nevoeiro. Sekigahara pode ser descrita nos livros como a versão japonesa da batalha de Gettysburg, mas para os combatentes a luta deve ter parecido simplesmente um grande tumulto. Havia dezenas de generais comandando seus soldados, e mesmo em condições melhores a situação ficaria caótica. Assim, unidades do mesmo exército se atacavam, algumas se perdiam completamente e outras, retidas por comandantes temerosos como Uyesugi, nem chegavam a entrar em ação. Batalhões de mosqueteiros maldiziam a umidade que inutilizava os rifles, misturados a lanceiros e espadachins, todos lutando por uma posição num campo de batalha que as cargas de cavalaria haviam transformado num lamaçal pegajoso. Some-se a isso o ruído ensurdecedor das ordens de comando, dos gritos dos feridos e dos disparos das armas, combinado com o nevoeiro, e pode-se ter uma idéia do que foi a batalha.

Apesar da enorme confusão, ainda parecia que Ishida seria vitorioso. Tokugawa havia concentrado seus samurais na entrada do vale, e Ishida havia recuado, aguardando apenas que seu aliado Hideaki Kobayakawa atacasse para finalmente destruir o adversário. Porém, mais uma vez seus esforços foram arruinados. Munenori Yagyu havia convencido seu irmão Munetoshi a persuadir seu senhor a mudar de lado no momento crucial da batalha. Em vez de atacar Tokugawa, Kobayakawa uniu-se a ele, e juntos arrasaram as tropas de Ishida. A habilidade de Ieyasu Tokugawa, juntamente com seu planejamento cuidadoso e sua confiança nos Yagyu, fez com que vencesse a batalha.

No final do dia Ishida estava morto, e seus aliados batiam em retirada, desmoralizados. A vitória em Sekigahara foi o passo final no plano de Tokugawa para obter o poder político, e antes mesmo que os mortos fossem retirados do campo de batalha, já se comentava que ele seria nomeado Seii Taishogun, o governante militar do Japão.

Munenori recebeu notícias da batalha na residência de seu pai, no vilarejo de Yagyu. As cortinas abertas deixavam ver os bosques que cercavam a casa, enquanto Munemori refletia profundamente sobre as conseqüências que a vitória de Tokugawa trariam para o futuro de seu ryu. Havia muito que planejar. Para o Japão, Sekigahara marcou o início de uma longa era de unificação e prosperidade sob a regência de Tokugawa. Para Munenori Yagyu e a escola Shinkage-ryu, foi o início de um caminho para a fama e para um lugar sem igual na história da esgrima japonesa.

Seminário Koichi Kashiwaya, 8o dan

No último final de semana de novembro - 24,25 e 26 - teremos em Curitiba, no Centro de Desenvolvimento de Ki, Seminário Internacional de Ki-Aikido, com Koichi Kashiwaya sensei, 8o dan e responsável técnico pelo Ki-Aikido nas Américas.

O valor a ser investido é de R$200,00 (duzentos reais), na data do evento, os valores serão outros.

Para aqueles interessados, posso informar desde já que as diárias de hoteís nas redondezas do Centro de Desenvolvimento de Ki variam. Há quartos para três pessoas na faixa de R$80,00 (total); quartos duplos na faixa de R$50,00 (por pessoa). Dentro em breve passo uma lista com mvalores e preços corretos pois ainda existe outras possbilidades, com hotéis ainda mais baratos.

Estamos organizando almoço e café no local do seminário, com opção de restaurantes nas proximidades. Para as noites, teremos reserva em alguns restaurantes (variando data a data) a fim de que os visitantes possam conhecer um pouco das qualidades gastronômicas de Curitiba.

CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DE KI
Rua 7 de Abril, 830 – 2o. andar - Alto da XV -
Tel. (41) 3263-1217
Curitiba - Paraná

contatos por e-mail, podem ser dirigidos a este blog.