sexta-feira, maio 05, 2006

Fotos do Seminário com Sensei Gilson Arakaki



Vista geral do Dojo, durante o Seminário


Jantar após mais um dia de Seminário

Senseis Lima, Arakaki e Carta

Seminário no Centro de Desenvolvimento de Ki



Sensei Gilson Arakaki
Entrevista com Koichi Tohei Sensei
Excerto do Aikido Journal #107 - Entrevista realizada em 11 de Julho de 1995
Traduzido por Emy Yoshida - Dojo Central / Instituto Takemussu

O Aikido cresceu explosivamente desde a Segunda Guerra Mundial. Koichi Tohei, um destacado colaborador neste desenvolvimento, é talvez uma das pessoas mais qualificadas para falar a respeito da história do Aikido. A maioria dos shihan do aikido da atualidade (mesmo aqueles de sétimo dan ou acima), foram, em algum tempo, instruídos por Tohei.

Sentindo fortemente que as gerações futuras decidirão seu próprio destino, Tohei optou por falar muito pouco durante os anos. Afinal, com a condição de que nós mostrássemos as atividades da sua organização e o seu pensamento como são, Tohei Sensei finalmente concordou com esta entrevista exclusiva para o Aikido Journal.

Como o único aluno de Morihei Ueshiba a ser oficialmente detentor do décimo dan e uma figura que ocupou uma posição de central importância no mundo do Aikido pós-guerra, Tohei teve a oportunidade de falar francamente conosco a respeito de suas opiniões e experiências.

Os Princípios do Céu e da Terra e a Minha Abordagem da Vida

AJ: Sensei, fale-nos a respeito da sua abordagem do Aikido.

Tohei Sensei: Enquanto nos movemos em direção ao século XXI, o mundo em que vivemos vai se tornando mais e mais relativo. Por haver frente, também existe atrás. Por haver acima, existe também abaixo. Dentro deste mundo relativo, nada é absoluto em sua correção. Não é possível, por exemplo, que o norte seja correto enquanto que o sul não. Ambos são simplesmente "fatos".

O único caminho seguro para estar absolutamente correto é evitar ser apanhado no redemoinho dos chamados fatos do mundo relativo, e ao invés disso, estar em concordância com os princípios absolutos do Céu e da Terra. Quando se tornam o padrão de julgamento, que está de acordo com os princípios do céu e da terra está correto, enquanto que o contrário, não.

A ação decisiva nasce de um entendimento daquilo que está de acordo com os princípios do Céu e da Terra. A falta desta compreensão conduz ao "esforço não razoável" ou muri, cujo significado literal é "ausência de princípio", e deve ser evitado. Este sempre foi o meu modo de pensar e a razão pela qual evitei escrupulosamente agir de forma que envolvesse esforço inútil ou que fosse contra esses princípios.

O Aikido é essencialmente um caminho para estar em harmonia com o ki do Céu e da Terra. No entanto, muitos daqueles que estão envolvidos no budo tendem a falar de coisas que são ilógicas e envolvem um esforço inútil, coisas que são impossíveis. Mas o meu modo de vida é evitar fazer qualquer coisa que não esteja de acordo com um princípio.

Estórias e Realidade: O que realmente aprendi com Mestre Ueshiba?

AJ: Qual foi a coisa mais importante que o senhor aprendeu com Morihei Ueshiba?

Tohei Sensei: A forma como as pessoas falam a respeito de ki hoje em dia tende ao ocultismo, mas eu diria que nunca fiz qualquer coisa, mesmo remotamente, envolvendo o oculto. Muito daquilo que Ueshiba Sensei falava, por outro lado, soava mesmo como oculto.

No meu caso, comecei a estudar Aikido porque vi que Ueshiba Sensei havia dominado verdadeiramente a arte do relaxamento. Era por estar relaxado de fato, que ele podia gerar tanto poder. Me tornei seu aluno na intenção de aprender isto com ele. Para ser honesto, nunca dei ouvidos para a maior parte das outras coisas que ele dizia.

Estórias sobre Ueshiba Sensei movendo-se instantaneamente ou arrancando pinheiros do chão e dobrando-os são apenas estórias. Sempre adverti as pessoas no Aikido a evitarem escrever sobre coisas como essa. Infelizmente, muitos pareceram não ouvir. Ao invés disso, elas simplesmente diminuíam o tamanho da árvore na estória, de algo enorme para somente cerca de 10 cm de diâmetro. Na realidade, é muito difícil arrancar até mesmo uma única raiz da terra, assim, como alguém no mundo poderia extrair um pinheiro de dez centímetros, especialmente estando de pé sobre seu sistema de raiz? Tais coisas não são nada além de exageros do tipo que são usados em contos à moda antiga.

As estórias se tornaram ainda mais incríveis desde que Ueshiba Sensei faleceu e agora as pessoas o têm movendo-se instantaneamente e reaparecendo de repente a um quilometro de distância e outras loucuras. Estive com Ueshiba Sensei durante muito tempo e posso dizer-lhes que ele não possuía poderes sobrenaturais.

AJ: Sensei, o senhor parece em muito boa forma para um homem perto dos setenta e seis anos. Sempre foi assim?

Tohei Sensei: Na verdade, eu era bastante frágil quando criança. Meu disse pai que eu precisava ficar mais forte e me fez começar judo, que treinei na Universidade Keio. Treinei duro e finalmente cresci mais forte, mas depois de entrar para o programa preparatório em Keio, um ataque de pleurite forçou um afastamento de um ano. Meu vigor tão duramente conquistado começou a sumir outra vez.

Incapaz de suportar o pensamento de perder aquilo pelo qual eu tinha trabalhado tanto para conseguir, substituí o judo por outras formas de treinamento tais como zazen (meditação Zen sentada) e misogi (purificação). Eu jurei que não deixaria minha força desaparecesse outra vez, mesmo que isso me matasse. Preocupar-me com a minha saúde e viver como um semi-inválido não fazia nada pela minha recuperação, e assim mandei tudo para o alto, e disse a mim mesmo que eu deveria lançar-me no treinamento, ainda que isso me matasse. O Aikido fazia parte desse treinamento também. Concentrei-me em manter-me forte e em algum ponto, os raios-X mostraram que a pleurite estava completamente curada. Surpreendentemente, eu tinha ficado bom.

Embora as idéias fossem um pouco vagas na época, eu tinha uma sensação de que foram minha mente e espírito (kokoro) que motivaram meu corpo. Compreendi que o estado mental é importante. A doença física é normal (embora indesejável), mas é inaceitável permitir que a doença se estenda à sua mente ou ao seu ki.

Em japonês, quando o corpo sofre de alguma disfunção, chamamos a isso yamai ou byo, que significa simplesmente "mal-estar"; mas quando o distúrbio se estende para o ki também, chamamos byoki. Assim, embora meu corpo possa estar afetado por algum tipo de mal-estar, não devo deixar que ele se estenda ao meu ki. Se a mente estiver saudável, o corpo seguirá.

Além disso, estando afastado do judo por quase dois anos, na época em que obtive o meu segundo dan, todos já tinham sido promovidos a quarto ou quinto dan. Mesmo muitos dos terceiro dan haviam progredido muito além de mim, e podiam lançar-me por todo o lado. Aquilo não era muito interessante e nem muito divertido.

Esperando fortalecer-me, fui para casa e comecei a chutar levemente os pilares ao redor da construção. Depois de fazer isso umas duas mil vezes por dia, contudo, as paredes começaram a cair. Minha irmã mais velha não gostou muito disso e me fez ir para fora, no jardim. Depois de umas poucas semanas, eu conseguia mover meus pés com a mesma agilidade e destreza que as mãos. Voltei ao dojo e era capaz de arremessar todos>

Conhecendo Morihei Ueshiba

AJ: Quando o senhor entrou para o Ueshiba Dojo?

Tohei Sensei: Acho que foi em 1940. Kisaburo Osawa entrou cerca de uma semana depois.

Eu pensava no quanto era pobre o estado de coisas, tanto que eu podia treinar por minha conta por um par de semanas e voltar e lançar todos no dojo de judo. "Por que me aborrecer com uma arte marcial como essa? Pensei. Foi quando conheci Ueshiba Sensei. Shohei Mori, um dos meus seniores no clube de judo e que trabalhou na Manchurian Railway, me contou a respeito de um professor com uma força fenomenal e me perguntou se eu gostaria de conhecê-lo. Deu-me uma carta de apresentação e eu fui.

Ueshiba Sensei estava fora quando cheguei ao dojo e fui recebido por um uchideshi chamado Matsumoto. Perguntei a ele o que era o Aikido afinal. Ele respondeu, "Dê-me a sua mão e eu mostrarei." Eu sabia que ele ia fazer alguma coisa comigo, assim estendi a minha mão esquerda ao invés da direita. Ficando com a direita livre, eu queria manter a minha mão mais forte na reserva. Ele agarrou meu pulso e aplicou um nikkyo contundente. Eu não havia fortalecido aquela parte do meu corpo, assim foi agonizante. Tenho certeza de que fiquei pálido, mas eu não ia deixar que ele levasse a melhor, assim agüentei a dor tanto quanto pude. Então desferi um soco com a minha mão direita e ele ficou perturbado e largou.

Eu comecei a pensar que se o aikido era aquilo, deveria esquecer e voltar para casa. Foi então que O Sensei retornou. Mostrei minha carta de apresentação e ele disse " Ah, sim, de Mr. Mori..." E então, como demonstração, começou a arremessar um dos maiores uchideshi pelo dojo.

Pensei que aquilo parecia algum tipo de farsa até que Ueshiba Sensei me disse para tirar o casaco e ir até ele. Assumi uma posição de judo e me movimentei para agarrá-lo. Para minha grande surpresa, ele me arremessou tão suave e velozmente que não pude sequer imaginar o que havia acontecido. Soube na hora que era aquilo que eu queria fazer. Pedi permissão para me inscrever imediatamente e comecei a ir ao dojo todos os dias, a partir da manhã seguinte.

Achei o treinamento muito estranho e misterioso, e estava ansioso para saber como as técnicas eram feitas. Quando alguém usa força para lançar você, há sempre alguma coisa que você pode fazer para reagir ou contra-atacar. Mas a estória é diferente quando a pessoa não está fazendo nada em particular e você continua a ser arremessado. Pensei, "Uau, isso sim!"

No começo eu não tinha idéia do que estava acontecendo. Até mesmo colegiais podiam me atirar sem qualquer problema. Achando tudo aquilo bastante ímpar, tentei agarrar mais e mais fortemente, mas é claro então que eu era apenas lançado com muito mais facilidade.

Ao mesmo tempo, eu continuava a treinar no Ichikukai (veja a entrevista com Hiroshi Tada para mais informações). Eu costumava ficar lá a noite inteira praticando zazen e misogi. O treinamento se dedicava a alcançar um estado iluminado no qual tanto o corpo como a mente se tornassem inteiramente livres de restrições. Era exaustivo e depois disso eu ia praticar aikido, quase morto de cansaço. Para minha surpresa, descobri que nesse estado, as pessoas que sempre podiam me arremessar ficavam completamente incapazes de fazê-lo! Além disso, eu não precisava fazer muito esforço para arremessá-los. Todos acharam estranho e diziam coisas como, "O quê está acontecendo com Tohei?. Ele "pula" a prática e volta mais forte do que nunca.!"

É bem mais difícil ser arremessado por alguém se você esvazia a sua força e também é muito mais fácil arremessar seu oponente. Pensei sobre O Sensei e compreendi que ele, sem dúvida, praticava o seu aikido relaxado. Foi quando de repente entendi o verdadeiro significado do "relaxamento".

Meu aikido continuou a progredir à medida que eu continuava com o meu misogi e zazen. Cerca de seis meses depois, eu estava sendo até mesmo mandado para ensinar em lugares como a academia da polícia militar em Nakano e em outras academias particulares (juku) de Shumei Okawa. Ninguém exceto Sensei podia me arremessar. Levou apenas meio ano para me tornar capaz de obter aquele grau de habilidade, assim pensei que levar cinco ou dez anos é devagar demais.

Mesmo hoje a maioria das pessoas estão lutando para aprender as técnicas ao máximo, mas eu aprendia a respeito do ki desde o começo.

AJ: Quando foi que o Senhor entendeu que O Sensei havia dominado a "arte do relaxamento"?

Tohei Sensei: Provavelmente foi quando ele vivia em Ayabe e estava profundamente envolvido com a religião Omoto. Ueshiba Sensei sempre contava uma estória sobre um dia em ele estava em pé próximo a um poço se enxugando depois do treino quando de repente entendeu que seu corpo se tornara perfeito e invencível, e compreendeu com uma clareza notável o significado dos sons dos pássaros e insetos e tudo o mais ao seu redor. Aparentemente, esse estado durou cerca de cinco minutos, mas acho que foi quando ele dominou a arte do relaxamento.

Infelizmente, ele sempre falava sobre essa experiência usando expressões religiosas, que eram mais ou menos incompreensíveis para os outros.

Antes da guerra, Sensei ensinava no Naval Staff College, onde tinha por aluno o Príncipe Takamatsu (um irmão mais novo do Imperador Showa). Em certa ocasião, o Príncipe apontou para Ueshiba Sensei e disse, "Tente levantar aquele senhor ". Quatro fortes marinheiros tentaram de tudo para levantá-lo, mas não conseguiram.

Sensei disse na época, "Todos os espíritos divinos do Céu e da Terra entraram em meu corpo e eu me tornei imóvel como uma rocha". Todos entenderam literalmente e acreditaram nele. Eu o ouvi dizer esse tipo de coisa centenas de vezes.

Por meu lado, nunca tive seres divinos entrando em meu corpo. Nunca pus muita fé nesse tipo de explicação ilógica.

Uma vez quando estava com Sensei no Havaí, havia uma demonstração em que se esperava que dois fortes alunos havaianos tentariam me levantar. Eles sentiam que não conseguiriam, assim não estavam muito preocupados. Mas Sensei, que observava, levantou-se dizendo, "Parem, vocês podem levantar Tohei, podem levantá-lo!!. Parem, façam-nos parar! Esta demonstração não está boa!"

Sabe, eu fiquei na rua bebendo até três horas da manhã na noite anterior e Sensei sabia das condições em que voltei para casa. Ele disse, "É claro que os deuses não vão entrar em um bêbado como você! Se o fizerem, todos ficarão tontos!" É por isso que ele achava que eram capazes de me levantar.

Na realidade, este tipo de coisa nada tem a ver com deuses ou espíritos. É apenas uma questão de possuir um centro de gravidade baixo. Sei disso e é o que ensino a todos os meus alunos. Isso não significaria nada se apenas algumas pessoas especiais possam fazer isso. Estas coisas têm que ser acessíveis para todos se realmente têm significado.

As pessoas com os chamados "poderes sobrenaturais" são normalmente as únicas que podem fazer aquilo que afirmam. Os outros não podem fazer o que elas fazem e elas não podem ensinar, porque aquilo que fazem não é real; é farsa. Qualquer um pode fazer o que ensino. Elas estão vivas nas técnicas do aikido tal como são. Tudo o que você precisa saber é como fazer certo, e vê-las como poderes sobrenaturais que requerem a presença de algum deus ou outra coisa assim é um grande engano. Vejo isto como minha responsabilidade para ensinar corretamente.

A personalidade de Morihei Ueshiba

AJ: Havia algumas personalidades notáveis no dojo em 1940 ou 1941 - alguém que pudesse mais tarde fazer um nome por si mesmo?

Tohei Sensei: Não havia ninguém assim quando cheguei. Não havia alunos e raramente algum uchideshi.

AJ: Quais foram as suas impressões mais fortes de Ueshiba Sensei?

Tohei Sensei: Ele me parecia um senhor muito simpático. Sorrindo, você sabe. De muitas maneiras, ele tinha uma personalidade bastante infantil.

AJ: Temos uns poucos documentos a respeito de O Sensei, mas é ainda muito difícil conseguir uma foto dele em seu dia-a-dia. Ele conversava sobre coisas corriqueiras, assuntos de todo o dia? Nas gravações que temos, ele quase que parece ser de outro planeta.

Tohei Sensei: Sim, entendo o quê você quer dizer. Certamente ele falava.

AJ: Ouvi dizer que algumas vezes, ele explodia de raiva de repente.

Tohei Sensei: Sim, isso acontecia com freqüência. Ele era gentil com as mulheres, todavia. Curiosamente, sua raiva nunca era direcionada em especial à pessoa com quem se supunha, estivesse zangado. Era como se ele estivesse apenas furioso consigo mesmo, incapaz de ou não desejando dirigir sua raiva ao objeto.

Uma vez um jovem aluno chamado Kurita notou que Sensei moveu-se um pouco em sua cadeira e foi ajustá-la para ele. Sensei explodiu e pediu para saber o que ele estava fazendo. O pobre rapaz não tinha idéia do que estava acontecendo até que eu expliquei que Sensei interpretou mal a ação, tomando-a como algum tipo de brincadeira.

AJ: Qual foi a atitude de O Sensei quando o senhor começou a basear seus ensinamentos nos princípios do ki?

Tohei Sensei: Ele ficou enciumado e disse às pessoas que não me dessem ouvidos. Ele dizia, "O aikido é meu, e não de Tohei. Não escutem o que Tohei diz." Ele aparecia no dojo dizendo coisas assim, especialmente quando eu ensinava um grupo de mulheres. A esse respeito, ele era bastante infantil, em sua objetividade e falta de sofisticação - muito espontâneo e inocente.

Pessoas ligadas a várias religiões vinham ao dojo e tiravam dinheiro dele , bajulando-o com nomes como "Morihei Ueshiba, o kami do aikido." Dificilmente ele gastava dinheiro consigo mesmo, mas parecia sempre estar sempre atrás de dinheiro porque continuava a desperdiçá-lo com pessoas como aquelas.

Recebendo o Décimo Dan

Fui o primeiro a ser oficialmente promovido a décimo dan. Originariamente, o oitavo dan era o grau máximo, mas Gozo Shioda , do Yoshinkan começou a promover muitas pessoas. Kisshomaru Ueshiba e o Sr.Osawa decidiram que seria útil para estabelecer mais firmemente o Hombu Dojo se criássemos o nono dan, que ofereceram para mim. Disse-lhes que eu achava desnecessário criar qualquer graduação mas alta do que as que já tínhamos, mas eles insistiram que isso ajudaria a fortalecer o Hombu Dojo, assim, finalmente concordei. Comemoramos a nova graduação em Ginza, um bairro de entretenimentos. Tanto Gozo Shioda como Kenji Tomiki estavam lá.

Enquanto estive nos Estados Unidos, entretanto, cinco outras pessoas foram também promovidas ao nono dan, e eles tentaram manter o fato em segredo de mim. Pensei que não havia nada a ser feito a respeito - coisas como essa iriam fatalmente acontecer com um professor como aquele - e decidi não me preocupar com isso.

Quando voltei a Tokyo, fiquei surpreso por encontrar Ueshiba Sensei me esperando no aeroporto - a primeira e única vez que ele havia feito isso. Quando chegamos em casa, ele me pegou para uns drinques e pouco depois eu sorria e começava a ficar alegre. Ele pareceu apreciar isso e até mesmo levantou-se para fazer uma dança tradicional que o divertia. Tudo isto, é claro, era porque ele pensou que eu devia estar irritado(irado?) com o fato dele ter promovido cinco outra pessoas ao nono dan, depois de me dizer que eu seria o único. Ao ver que eu não estava absolutamente irritado a respeito, ficou de bom humor outra vez.

Dois ou três dias depois, ele começou a me pedir que aceitasse o décimo dan. Eu disse, "Sensei, por favor não me peça para fazer isso. Se o senhor fizer de mim décimo dan, isso não terá mais fim!" Ele concordou com o meu pedido e assim permaneci nono dan por um tempo. Cerca de três anos depois, entretanto, pouco antes do câncer tomá-lo, ele me pediu outra vez. Disse "Koichi-chan, por favor, aceite o décimo dan." Me senti obrigado a concordar, porque seria desrespeitoso continuar a recusar e fazê-lo implorar para que eu o aceitasse.

Não demorou muito para que as pessoas dissessem que eu não era o único a receber o décimo dan. Para evitar problemas, ofereci-ma para devolver o grau, mas Mr. Osawa interveio e conseguiu que fosse colocado o numero "1" em meu certificado para atestar este, e não os outros, era oficial. Houve também uma grande festa no Akasaka Prince Hotel para celebrar a promoção.

Desde que me separei do Aikikai, ninguém mais foi admitido ao grau de décimo dan, mas tão logo parti, todos começaram a reclamá-lo.

AJ: O Senhor disse que ao começar a fundamentar os seus ensinamentos nos princípios do ki, O Sensei ficou enciumado e disse a todos que não lhe dessem ouvidos. Por outro lado, ele o promoveu a décimo dan. Quais eram suas intenções ao agir assim? Ele o estava reconhecendo ou não?

Tohei Sensei: Acho que ele me reconheceu e aceitou. Ele estava bem consciente de que não havia outro igual a mim na época, e provavelmente sentiu que caso não me promovesse, não poderia promover outros. Mas por possuir aquela qualidade infantil, ele não pode esperar e foi adiante, fazendo-o de qualquer maneira.

AJ: Como Kisshomaru (o atual Doshu) viu a questão?

Tohei Sensei: Em princípio, Kisshomaru pretendeu manter uma certa distância do Aikido. Ele teria dito, "Meu pai e pessoas como o Sr. Tohei vieram a este mundo para fazer o Aikido". Embora eu tenha nascido nesta família e com as suas tarefas, prefiro mais uma casa em uma colina da qual eu possa ir para o trabalho pela manhã e voltar à noite." Ele esperava assumir um papel mais administrativo como diretor geral da organização, mais do que ser um centro dos ensinamentos. Quando Ueshiba Sensei faleceu, o Sr. Nao Sonoda veio com uma proposta de fazer de Kisshomaru um diretor geral e de mim, o Segundo Doshu. No entanto, Ueshiba Sensei havia me pedido para fazer tudo o que pudesse por Kisshomaru, e assim fiz todos os esforços para que ele assumisse o papel que o colocava tanto como o centro dos ensinamentos como da administração, que é como finalmente funcionou.

Tive o privilégio de estar ao lado de Sensei durante as suas últimas horas. Disse-me, "Koichi-chan, é você? Quero pedir-lhe para, por favor, fazer aquilo que puder por meu filho." Respondi que embora eu nada tivesse com aquilo, ele não tinha nada com que se preocupar. "Está bem... Peço isto a você", ele disse, e pouco depois, deu seu último suspiro.

O Sr. Sonoda sugeriu muitas vezes que eu deveria me tornar o Doshu, mas eu estava determinado a cumprir minha promessa. Para permitir que Kisshomaru assumisse um papel estável , lancei a idéia de que ele deveria ser tanto o Doshu como o diretor administrativo. Ele expressou sua gratidão por meus esforços na época, mas cerca de um ano mais tarde, sua atitude mudou. Foi exatamente nessa época que ele foi aos Estados Unidos e começou a tirar minha foto das paredes dos dojos lá.

Separação do Aikikai

AJ: Isso foi por volta de quando?

Tohei Sensei: Cerca de três anos depois que Ueshiba Sensei faleceu, em 1971 ou 1972. Antes disso, quase todos os dojos americanos mostravam ambas as fotos, mas Kisshomaru começou a mandar tirar a minha, colocando a sua no lugar.

Parece que o senhor gozou de um bom relacionamento durante o período imediatamente posterior à morte de O Sensei. Por que esse relacionamento se deteriorou depois?

Em 1971 , propus que ensinássemos especificamente o conceito de ki dentro do Aikikai. Senti que simplesmente ir através dos movimentos de prática das técnicas, mais ou menos num nível superficial não resultaria em Aikido, porque o aikido envolve ki. Sugeri a Mr. Osawa que criássemos uma aula de ki, como base para as pessoas no Aikido. Ele rejeitou a idéia no interesse do Aikikai, dizendo que o Aikido do Aikikai é o de Kisshomaru, e que por isso, os ensinamentos dele é que deveriam formar o núcleo do treinamento. Compreendi que não havia espaço para ensinar nesse ambiente e perguntei se estaria bem se eu continuasse com a minha sugestão fora do dojo. Isso seria ótimo, disseram, assim saí e criei uma aula que enfocou os ensinamentos sobre o ki e não as técnicas do Aikido.

Acho que os meus ensinamentos de ki contribuíram muito para o crescimento do Aikido. Simplesmente ir e vir na prática das técnicas do Aikido está bem para estudantes e outros jovens, mas as pessoas mais velhas com menos vigor tendem a abandonar pouco depois. Minhas palestras sobre ki eram bem recebidas por vários tipos de pessoas, incluindo grupos de executivos de alto nível - gerentes e presidentes e pessoas assim. Entretanto, tanto Mr. Osawa como Kisshomaru encararam aquilo que eu fazia com algo tirado do Aikido.

Nos Estados Unidos, as pessoas entendem o Aikido em termos de expressões como " um questão de mente". No Japão, contudo, o Aikido é simplesmente chamado de Aikido, assim achei que era necessário estabelecer o conceito de ki também no Japão.

O Sr. Osawa era um homem muito bom e ouviu o que eu tinha a dizer. Na época, no entanto, ele se esforçava para apoiar Kisshomaru e tentou prevenir as pessoas de participarem do meu treinamento.

Eles me recusaram permissão para ensinar sobre ki dentro do Aikikai, mas eu disse que era livre para fazer o que quisesse fora. Com esse entendimento, comecei minha aula no Olympic Center. Provou ser muito popular e em três meses, cem alunos estavam inscritos. O Sr. Osawa ficou surpreso quando ouviu a respeito e veio a mim perguntar se eu estaria interessado em dar essa aula dentro do Aikikai! Fiquei muito irritado e disse que achava ser um pouco tarde para isso.

Nenhuma das pessoas que freqüentavam minha aula de ki sabia qualquer coisa sobre Aikido e não estavam interessadas, na verdade, em saber, já que não era aquilo que elas vinham aprender. Isso não teria acontecido se eu pudesse ter criado uma aula de ki dentro do Aikikai para começar. Dada a posição em que Mr. Osawa se encontrava, eu sabia que ele teve que recusar, mas acho que ele sempre se sentiu mal a respeito. Quando o quartel-general do Ki no Kenkyukai (Ki Society) foi construído na Prefeitura de Tochigi em 1990, o Sr. Osawa me contatou em particular e fez uma pequena contribuição.

Estórias do Aikido no pós-guerra

AJ: Que tipo de pessoa entrou para o Aikikai depois da guerra?

Tohei Sensei: Ensinei muitas das pessoas que hoje são professores... Tada, Arikawa, Yamaguchi, Okumura, Yamada, Chiba. Yamada ainda aparece de vez em quando.

AJ: O Senhor tem estórias memoráveis do treinamento na época ?

Tohei Sensei: Bem, nada que seja tão interessante.

Uma vez quando tomei uma bebedeira, eu treinava com Tamura, que está na França agora. Eu disse, "Veja, algumas vezes vou arremessá-lo forte, por isso, tenha cuidado." Ele deve ter subestimado minhas palavras, pois quando o arremessei , ele foi voando pelo dojo e atravessou a janela de vidro com o braço. Ele deveria ter tentado parar nesse momento, mas ao invés disso, tentou puxar o braço imediatamente e acabou se ferindo nos cacos. Quando vi o que ele havia feito, fiquei zangado e sem pensar, gritei com ele por não ter esperado até que ele pudesse tirar o braço com segurança. Me arrependi imediatamente e compreendi que era cruel gritar com ele daquela maneira, no instante do ferimento. Me desculpei, levando-o para uma noitada na cidade.

Uma outra vez, levei Tamura e Chiba para uma demonstração em Hiratsuka. Foi durante a Ocupação e por isso, a maioria das demonstrações de vários tipos de artes marciais estavam proibidas. Para uma demonstração de Aikido, no entanto, foi dada permissão e a realizamos diante do comando da guarnição naquela área. Nossa explicação do princípio da não-competição no Aikido foi bem recebida e pareceu encontrar simpatia junto à audiência.

Durante a demonstração, fiz uma técnica na qual eu dei uma rasteira em Chiba com um jo. Ele próprio se ajustou para acompanhar o movimento. Mas eu detesto quando as pessoas fazem a queda desnecessária e propositadamente assim, então eu disse a ele que deixasse de fazer coisas desnecessárias e arremessei-o com toda a minha força. Ele virou completamente de ponta-cabeça a baixo e quase veio ao chão de cabeça. Por um momento, temi ter feito algo terrível a ele, e fiquei aliviado ao ver que , de alguma forma, ele aterrissara em segurança.

Havia um aluno meu que entrou para o Aikikai e era elogiado por seu bom ukemi e acompanhava Ueshiba Sensei com freqüência. Eu o usava como uke durante uma demonstração no Hibiya Kokaido (local de demonstrações de Aikido de todo o Japão antes do Budokan começar a ser usado), mas ele começou a rolar antes que eu tivesse feito o arremesso. Eu disse, "O quê diabos você está fazendo, caindo antes mesmo de começar a lançá-lo? Saia daqui!" Havia muitos espectadores presentes e acho que eles ficaram bem surpresos, mas foi também uma oportunidade inesperada para que vissem que as técnicas do Aikido não são uma farsa nem tampouco pré-arrajandas.

Quando eu estava com quarenta e nove anos, fiz um filme educativo de no qual pessoas como Masando Sasaki e Seishiro Endo aparecem como meus uke. Endo apareceu também num livro chamado Shinshin Toitsu Aikido, que é, na maior parte, de fotografias. Ensinei Saotome e Ichihashi também, vez ou outra.

AJ: O senhor tem alguma anedota interessante da época posterior à sua saída do Aikikai?

Tohei Sensei: Cerca de dez anos atrás na França, a grupo de alunos de Tamura veio para me ver. Aparentemente, Tamura pensou que devido a minha idade, eu provavelmente não estaria mais fazendo Aikido e deveria estar só trabalhando com ki. Parece que eles vieram para ver com seus próprias olhos se isso era realmente verdade e acho que também para dar uma olhada em um décimo dan. Escolhi oito deles para me atacarem em randori. Foram para casa dizendo, "Bem, parece que Tamura Sensei está enganado!"

Compreensão de uma simples afirmação de Tempu Nakamura.

AJ: De que maneira o Shinshin Toitsu Aikido é diferente daquele do fundador Morihei Ueshiba?

Tohei Sensei: Quando fui ao Havaí e tentei usar as técnicas que havia aprendido com Ueshiba Sensei, descobri que muitas delas eram ineficientes. O que Sensei dizia e aquilo que fazia eram duas coisas diferentes. Por exemplo, a despeito do fato de que ele próprio estava muito relaxado, dizia aos seus alunos para fazer técnicas contundentes e poderosas. Quando cheguei ao Havaí, no entanto, havia dois sujeitos tão fortes quanto Akebono e Konishi (dois conhecidos lutadores de sumo havaianos) por todo o lugar. Simplesmente não há como usar força ou poder para triunfar contra esse tipo de força.

Quando você está firmemente imobilizado ou controlado, as partes do seu corpo que estão diretamente imobilizadas não podem se mover. Tudo o que você tem a fazer é iniciar um movimento com aquelas partes que você pode mexer, e a única maneira de fazer isso com sucesso é relaxar. Mesmo que o seu oponente o tenha preso com toda a sua força, você ainda pode lançá-lo num vôo se estiver relaxado ao fazer o arremesso. Isto é algo que experimentei em primeira-mão, durante aquela viagem ao Havaí e quando retornei ao Japão e dei uma outra olhada em Ueshiba Sensei, compreendi que ele, sem dúvida, aplicava sua técnicas em um estado muito relaxado.

Tohei Sensei: Enquanto estive com Ueshiba Sensei, estudava também com Tempu Nakamura. Foi ele quem primeiro me ensinou que " a mente move o corpo". Essas palavras me atingiram como um raio de eletricidade e me abriram os olhos para o verdadeiro conhecimento do Aikido. A partir desse ponto, comecei a rever todas as minhas técnicas de Aikido. Joguei fora técnicas que iam contra a lógica, selecionando e reorganizando aquelas que senti que eram utilizáveis.

Hoje o meu Aikido consiste de cerca de 30% das técnicas de Ueshiba Sensei e de 70% minhas próprias.

Provavelmente, você pode dizer que foi no Havaí que fiz o meu treinamento mais importante (shugyo). A propósito, razão pela qual fui ao Havaí em primeiro lugar, foi a convite do Nishikai, um grupo dedicado ao Método Nishi de Saúde. Entretanto, suas intenções tinham a ver com competir com as minhas habilidades marciais contra alguns lutadores e para usar a renda do evento na construção do seu auditório. Não sabia disso até a véspera da minha partida e então já era tarde demais para recusar , assim me conformei e fui mesmo assim.

Os havaianos foram muito francos ao expressarem suas primeiras impressões a meu respeito. Disseram, "Nossa. Sensei, você é bem jovem, não é?" Então disseram, "Nossa, Sensei, você é bem pequeno..." Então foram direto ao ponto dizendo, "Sensei, você tem certeza de que pode realmente fazer isso?" Pensei que a única coisa a fazer era mostrar-lhes que eu podia e deixar que vissem por si mesmos. Depois daquilo, todos os artistas marciais do local e lutadores se tornaram meus alunos. O Hawaii Aikikai foi fundado oito meses depois e me fizeram um capitão honorário vitalício da força policial local. Ueshiba Sensei nunca foi testado dessa forma em sua vida inteira.

AJ: Gostaríamos de perguntar a respeito de técnicas com armas. No Aikikai Hombu Dojo há alguns shihan que afirmam que o Aikido moderno não tem técnicas com armas. Por outro lado, há professores como Morihiro Saito que integram as armas ao ensino de técnicas desarmadas (taijutsu). Na sua visão, as técnicas com armas são parte do Aikido ou não?

Tohei Sensei: Dizer que não há técnicas com armas em Aikido é ridículo. As pessoas dizem isso porque não as conhecem. Venha ver o que fazemos com as armas na Ki Society. Há também um vídeo educativo. Que no Aikido existem técnicas com armas é apenas senso comum e é uma vergonha que as pessoas digam o contrário. Fico pensando, será que devo ir lá e ensiná-los?

O Sr. Yoshio Sugino (Dojo-cho do ramo do Kawasaki Aikikai, Yushin Dojo, e décimo dan em Katori Shinto-ryu) assistiu a um dos nossos exames de treinamento físico. Vendo as técnicas com armas dos nossos membros, ele os elogiou, "Vejo que você tem dezenas de aspirantes a O-Sensei aqui."

AJ: Tohei Sensei, agradecemos por seu tempo em conversar conosco.

(Excerto do Aikido Journal, ed. #107 - Traduzido por Emy Yoshida - Dojo Central)

Biografia de Koichi Tohei:

Nascido em 1920 em Tóquio, mudou-se quando jovem para a Prefeitura de Tochigi, onde passou sua juventude. Sua saúde frágil durante a infância forçou-o a visitar o hospital com freqüencia. Pela insistência de seu pai, começou a praticar judo. Fortalecendo-se em certo grau, aos quinze anos obteve sua faixa preta e aos dezesseis, entrou para o programa preparatório da Universidade Keio. Continuou a praticar judo entusiásticamente, mas contraiu uma pleurite como resultado do treinamento excessivo e foi forçado a deixar a escola por um ano. Durante esse período, dedicou-se ao treinamento pessoal em misogi kokyuho, Zen e outros tipos de disciplina.

Aos dezenove anos, conheceu Morihei Ueshiba e se tornou seu aluno. No curto período de meio ano, tornou-se o representante do fundador (dairi) e, sem ter recebido ainda qualquer grau oficial em aikido, foi enviado para ensinar na Academia de Polícia de Nakano e na escola particular de Shumei Okawa.

Aos vinte e três anos, foi convocado para o serviço militar e aprendeu sob fogo o segredo de dirigir o ki para um ponto no baixo abdomen (seika no ittem).

Entre 1953 e 1971 visitou os Estados Unidos em quinze ocasiões, ensinando e divulgando o Aikido e os princípios do ki . Tohei recebeu o décimo dan do Aikido em 1969. Serviu como Diretor dos Shihan (Shihan Bucho) e Diretor (Riji) do Aikikai até deixar essa organização em 1974.

Tohei fundou a Ki Society (Ki no Kenkyukai) em 1971 (reconhecida como uma organização sem fins lucrativos em 1977), a qual ainda preside. A Ki Society é a única organização no Japão especializada em treinamento de ki que foi reconhecida como entidade sem fins lucrativos pelo Ministério do Bem-Estar Público.