quarta-feira, julho 05, 2006

Entrevista com Koichi Kashiwaya sensei (segunda parte)

(continuação – parte 2)

Na época Tohei Sensei também mantinha uma turma de Ki no Yoyogi Olmpic Center. Não era uma turma muito grande, cerca de 14 membros, altos executivos ou pessoas do tipo, em sua maioria. Não eram praticantes de Aikido nem de outros grupos de Aikikai. Mais tarde, fiquei sabendo que Tohei Sensei havia dito a Kisshomanu (Ueshiba) Sensei que ele gostaria de ensinar Ki no Aikikai, mas que as aulas seriam fora do Aikikai. Assim, eu era o único colegial a estar ali. E como era o mais jovem, senti que deveria ajudar. Chegava lá meia hora mais cedo e ajudava Tohei a arrumar tudo. Eu não desempenhava o papel de otomo, nada disso, só queria ser útil. A partir daí, Tohei Sensei passou a me reconhecer, pois eu chegava mais cedo e era o mais jovem de todos.

Ocasionalmente, ele me pedia para mostrar alguns dos arremessos do Aikido e como eu era o único com treinamento em Aikido ele me arremessava. Foi naquela época em que eu, pela primeira vez, treinei ukemi com ele.

Gradualmente, a Ki Society acrescentou mais turmas, e pessoas mais jovens começaram a chegar do Aikido – a maioria do Aikikai e alguns do Yoshinkan. A maioria dessas pessoas não tinha qualquer tipo de ligação com qualquer professor do Aikikai. De minha parte, sem ter muitos vínculos com o Aikikai, costumava freqüentar, de todo o jeito, para praticar e participar das aulas de Kisshomaru Sensei e outras aulas de instrutores seniores. Eu não me sentia na obrigação de seguir apenas Tohei Sensei. E as coisas aconteceram desse jeito.
.
AW: O senhor acredita que a ruptura de Tohei Sensei com o Aikikai foi inevitável?

KK: Para mim, isso está feito e é fato consumado. Tohei não costumava puxar conversa sobre isso. É claro que toda a vez que há mais de duas pessoas reunidas, você tem um evento político. É da natureza humana. Eu não posso evitar a política, por suposto, mas também não gosto muito de ouvir a respeito. Para mim, torna-se uma espécie de violência se houver exagero. Creio que somos uma espécie de "caixa de ressonância" (risos) Todo o tipo de deshi (aprendiz) tem que ouvir qualquer coisa que o professor disser. É parte do nosso dever. Assim para mim, se Tohei Sensei tivesse alguma coisa para me dizer, minha obrigação era somente ficar ali e ouvir.

AW: Quando o senhor veio aos Estados Unidos?

KK: Tohei Sensei me pediu para ir a Seattle em 1973 por dois anos para ajudar o instrutor chefe Yoshihiko Hirata Sensei. Depois de dois anos, ele me perguntou se eu queria ficar nos Estados Unidos ou voltar ao Japão e tornar-me seu Uchideshi. Eu regressei ao Japão para o treinamento de Uchideshi por dois anos. Após esses dois anos, pedi para voltar aos Estados Unidos. Ele atendeu e sugeriu que eu fosse a Boston ou Chicago. Eu achava que qualquer lugar para mim estaria ótimo, com exceção daqueles lugares em que ele já havia estado (risos).

O que quero dizer é que se eu fosse aonde Tohei Sensei já havia estado, não seria bom, porque sua influência já estaria lá. As pessoas que tinham treinado com ele o veriam como professor e eu não queria interferir. Mas, Tohei Sensei não podia ir a todas as partes e conclui que minha missão era ir aonde ele não havia estado. Assim, talvez, eu pudesse ser um tipo de agente de Tohei Sensei.

Eu conhecia um instrutor de Judô em Boulder, Colorado, que havia estudado com Tohei Sensei. Eu o contatei e ele disse: "Claro, venha para cá". Foi assim que eu cheguei a Boulder em 1977.

AW: Como foi iniciar o Aikido em Boulder?

KK: Por sorte, já havia lá um dojo de jujutsu e judô que eu podia usar. Mas eu não queria tirar seus estudantes. Comecei com apenas uma pessoa. E também havia a limitação que eu não poderia manter muitas aulas porque eles usavam o dojo a maior parte do tempo. Eu tinha os domingos e as primeiras horas da manhã algumas vezes por semana. E era tudo . Então, alguns dos estudantes de judo e jujutso começaram a vir também. Eu conversei com seus instrutores e disse que não queria tirar seus alunos, mas eles disseram "Não, não, tudo bem. Eles gostam das suas aulas. Eles realmente parecem estar gostando do que você faz". E, no fim, quase metade das turmas de jujutsu e de judô ingressaram na minha turma.

As turmas foram ficando cada vez maiores e eu não queria ter nenhum tipo de conflito com os outros professores. Percebi que já tinha alunos suficientes para me mudar. O local de judô e jujutso agora é um supermercado, o edifício foi reconstruído, mas onde eu dava aulas talvez até seja hoje a seção de carnes ou algo assim (risos)

AW: O senhor mencionou que Tohei Sensei o ajudou a compreender o significado de ser humano?.

KK: Certo, certo. Ele mostrou as coisas fundamentais: polidez com os demais, respeito, como ver os outros. Antes disso, eu estava preocupado somente em aprender como derrubar as pessoas. Como instrutor, eu acreditava que era isso que as pessoas vinham aprender, mas estava totalmente errado a respeito. .Como Tohei Sensei martelava nesse ponto o tempo todo, parecia que tudo que eu fazia estava errado, e – você sabe – estava errado. Em geral, era a forma que eu pensava sobre mim mesmo que estava totalmente errada. Ele realmente ajudou a construir as bases de quem eu sou , mais do que me ensinar as técnicas Eu fui somente um uchideshi durante dois anos mas eu aprendi muito sobre as bases do Aikido naquela época.

AW: Na sua opinião, qual é o objetivo do Shin Shin Toitsu Aikido?

KK : Eu gosto de ensinar o lado técnico do Aikido. Mas Tohei Sensei disse que a Ki Societe foi criada para fazer da sociedade um lugar melhor. E, por um lado, recebei essa missão quando comecei a ensinar. Quero que meus estudantes façam o melhor, primeiro no tatame. Porém, é possível que as pessoas não captem nada extra, fora das técnicas a partir das quais eu ensino. Mas, se existe algo "certo" a esse respeito – mesmo se apenas uma pessoa compreender isso, ficarei feliz

AW: Muita gente acha que o Taigi na Ki Society é competição e que isso não é bom no Aikido. O que o senhor diria sobre o papel da competição Taigi na Ki Society?

KK: Meu entendimento pessoal é de que o Taigi não foi criado originalmente como competição Tohei Sensei concebeu esse formato como um presente para seus instrutores, para que eles não se "ralassemm" durante uma demonstração.
Na época, a maioria dos estudantes era bastante jovem e ia ao treinamento como quem vai a um campo de treinos militares. Nós aprendemos muito de Tohei Sensei em um curto período de tempo e nos tornamos capazes de fazer as técnicas bastante bem, uma por uma. Mas, em uma situação de demonstração, como a seqüência das técnicas não estavam muito bem "digeridas", tornava-se difícil. Tohei Sensei nos deu uma ferramenta - o taigi – para que a usássemos como uma espécie de guia, para que não nos sentíssemos perdidos. Com esse repertório sob nosso cinto, nos sentiríamos mais confortáveis dando uma demonstração.

As pessoas às quais ele ensinava eram muito apegadas em treinar com ele. Nõs compreendíamos os aspectos básicos bastante bem com ele. Tínhamos a condição de vê-lo fazendo aquelas técnicas em demonstrações e começamos a perceber padrões no que ele fazia. Ele oficializou essas formas um pouco mais tarde. Mais tarde, ele observou seus estudantes cuidadosamente e percebeu que eles não estavam fazendo as formas corretamente. Por isso, é que ele trouxe a idéia de competição para que possamos aperfeiçoar o que estamos fazendo de forma que não fiquemos todos completamente iguais.

Há muito tempo, companhias, como a Honda, ficavam contentes em fazer veículos de passeio para pessoas como eu e você dirigir. Mas, então, elas começaram a introduzir carros de corrida para a Fórmula Um. Isso não foi devido ao desejo delas de tornar seus veículos de passeio capazes de correr em uma velocidade de 200 milhar por hora pela cidade. A intenção, era usar as pistas de corrida como uma espécie de laboratório para criar tecnologias melhores que seriam aplicadas aos veículos de passeio para torná-los mais seguros, mais eficientes e mais ecológicos.

De certo modo, a competição taigi é como as pistas de corrida da Fórmula Um. Os estudantes não estão lá apenas para "vencer" a competição, mas para usá-la como um meio .de aperfeiçoar ainda mais sua técnica Tohei Sensei sempre prestou muita atenção no modo como as pessoas competiam - no que estava funcionando e no que não estava.

A prática superficial nos mostra as pessoas aplicando somente a forma técnica. Mas, através do taigi, as pessoas podem refinar a coordenação corpo e mente.

O que acontece no Taigi não são necessariamente golpes "de rua". Tohei Sensei costuma mostrar esse tipo de coisas – técnicas de prisão ou como lidar com uma pessoa muito agressiva. Isso não é necessariamente o que temos que ensinar, mas para que saibamos, no caso em que tenhamos que ensinar. Nós, como professores, temos que estar preparados para lidar como uma ampla gama de alunos, com diferentes formações. Eu posso ter que ensinar um policial ou um agente prisional. Mas não aquilo, eu penso, que seja necessário ser ensinado a qualquer um. Um policial tem necessidades de aprender coisas que um cidadão comum não tem. Um guarda prisional pode ter restrições no que ele pode fazer, então a ele pode ser ensinado algo diferente.

Em práticas normais, não é necessário focalizar em nenhum modo especial. A prática normal é direcionada, principalmente, para a coordenação de corpo e mente. Mas, há diferenças entre ensinar, digamos, um jogador de baseball e um lutador de sumo. Ensinar esse tipo de pessoas, era para Tohei Sensei uma espécie de hobby pessoal. (risos) Ele não estava ensinando baseball a um jogador de baseball ou sumo a um lutador de sumô. Quando ele tinha tempo e eles lhe fizessem perguntas, ele ensinava a coordenação corpo-mente.

AW: Onde o senhor gostaria de ver a Ki Society daqui a 20 anos?

KK: Oh! Eu espero viver até lá! (risos) .Para enxergar tão à frente, eu teria que voltar 20 anos. Em 1980, ainda era um tempo confuso para a Ki Society. Nõs ainda estávamos tentando nos organizar como instituição. Na verdade, a Ki Society ainda não tinha dez anos naquele tempo, ainda era jovem para uma organização e muitas coisas ainda precisavam ser feitas.

Vinte anos atrás, a Ki Society nos Estados Unidos ainda sofria muita pressão da Aikikai e teve que ficar, de certa forma, na defensiva. De vinte anos para cá, ninguém no Aikido quer dominar, mas coexistir – não misturar. Temos que continuar, cada um com seu estilo. Pelo menos, essa é minha idéia geral sobre qualquer coisa. Por exemplo, se os americanos tentarem misturar a tradição japonesa com o que existe aqui vai ficar confuso, até mal-entendido.
Se os americanos puderem apreciar as raízes da tradição japonesa, mas compreender que há linguagens separadas, daí a gente pode coexistir e comunicar-se. Eu gostaria que com a Ki Society fosse assim. Quem sabe, a gente não vá misturar com qualquer outro estilo, mas sentir-se confortável com nosso próprio estilo, de modo que nos possamos comunicar.
Vinte anos depois – agora - posso ver que nós, definitivamente, temos uma organização muito melhor. .

Se Deus quiser, a Ki Society continuará a melhorar nos próximos vinte anos, em toda a organização da Ki Society, temos apenas algumas milhares de pessoas, nos Estados Unidos. Ainda não é uma grande organização. É muito difícil predizer para os próximos vinte anos. Mas eu penso que embora não fique muito "visivel" para o público, ate lá, irá se integrar bem à sociedade.

A Ki Society agora tem uma mudança de geração acontecendo, também. Todos os instrutores seniores estão envelhecendo. Então, naturalmente, nos próximos vinte anos haverá uma nova geração de instrutores. Por isso, eu acho que as pessoas da nova geração precisam de coisas mais "práticas" do que a geração mais velha. Eu entendo bem a forma pela qual Tohei Sensei fala, mas talvez sua linguagem esteja um pouco antiga para as gerações mais novas. Acredito que a geração de Tohei Sensei tinha alguns ideais em mente e foi em busca deles.. Nós valorizamos todos esse esforço , mas também temos que aplicar seu Ki à nova geração. Penso que isso terá que acontecer porque as gerações estão mudando.

AW: Muito obrigado, Sensei, pela sua atenção

KK: Obrigado.

(tradução Noemi Osna)

Nenhum comentário: